Professor do século XX, dando aulas no século XXI com as mesmas práticas do século XIX



                Não basta apenas conhecer a máquina, tem que destrinchá-la. Não dá para se apegar a conceitos, pois eles se modificam constantemente. Não é possível deixar para depois sem tronar-se obsoleto, ultrapassado. Dinâmica vertiginosa do pensamento, processamentos de aprendizagens cada vez mais complexos. Uma avalanche de tecnologias e descobertas diárias que carrega o professor a um torvelinho de preocupações e inseguranças.
                É possível, ainda, prender a atenção da molecada com giz e régua de madeira? Olhar um para a nuca do outro enquanto ouve-se uma torrente de explicações é motivador? Avaliar-se por conceitos e classificações é justo ou é uniformizante? A escola faz, realmente, parte da vida do aluno?
                Como professor,  insisto a inquirir-me, e as respostas são, inexoravelmente, lógicas e claras: há que se preparar mudanças. Há que modificar-se e modificar a estrutura da escola, as estratégias de aula, as verificações da aprendizagem. Com urgência, compreender que se aprende testando, perguntando, sofrendo. Que “La letra com sangre entra”. Que é inevitável a responsabilidade de debruçar-se sobre material de pesquisa, revolver sites, ler, fazer, aprender, apreender... Que o papel do professor é mediar, problematizar, instigar (não é ditar, escrever, explicar). Entender que o mundo lá fora é o verdadeiro; que o que se ensina dentro da escola deve ser o que se vive fora dela. Decorar conceitos não ensina nada a ninguém; entendê-los, analisá-los e comprová-los leva a mudanças significativas no processo do pensar, e assim, de repente, se aprende.

                Como aluno, entender que a escola não está pronta, que o conhecimento é elástico, que a apatia nada tem a ver com o que se espera do aprendiz (aliás, escola deveria chamar-se Oficina de Aprendizagem). Compreender que nos grupos se dá a beleza das descobertas, que por estes grupos se alavanca o mundo, sendo assim capaz de modificá-lo, (re) construí-lo, dar-lhe significados e conectar experiências. Compreender que o professor, como mestre, não ensina, mas disciplina para que a aprendizagem aconteça, de forma natural, como andar ou falar.
                Se a escola não tomar para si a responsabilidade das mudanças, os alunos continuarão fazendo por ela; e o choque dos três séculos continuará desorganizando a ordem natural das coisas. Porque as pessoas mudaram, o pensamento mudou, os alunos já não são mais os mesmos. A sociedade nem espera mais o tipo de pessoa que a escola insiste em formar.
                Promover autonomia é deixar pensar; fazer sempre boas escolhas e com sabedoria passa antes pelo paradoxo de fazer más escolhas e corrigi-las. Processo contínuo, como tudo na vida. E o professor será necessário?
                Professor será necessário, sempre, desde que mude para o profissional que a sociedade pede. Aquele professor, do jaleco e das palestras intermináveis, já não se faz necessário hoje. Mas aquele professor do jaleco e das perguntas incansáveis, esse sim vai escrever a história do futuro no tempo certo. É o professor que problematiza para buscar soluções, que inquiri, que questiona, que faz conexões, que não pensa em disciplina curricular, mas em aprendizagem significativa e interdisciplinaridade. O que utiliza outras estratégias de ensino, longe dos palcos e do corredor da morte (o espaço fatal que fica entre os primeiros da fila e a lousa), que tira os alunos de suas cômodas convicções e inspira neles o desejo de buscar, de saber, de fazer, de ser. O professor que não dá respostas, mas o que conduz os alunos a elas.
                Se fosse fácil, as mudanças não estariam levando três séculos para acontecer. Se fosse fácil, todos já o teriam feito e o mundo estaria, de novo, carente de mudanças. Se fosse fácil, não seria trabalho de professor. Mas é possível. E sendo possível, é urgente.  E não tem mais volta. Ainda bem...

Comentários

  1. Os desafios são imensos, mas a vontade de ultrapassar os limites e fazer uma parte de uma nova história, são equivalentes. Espero que as universidades estejam preparadas para moldar profissionais críticos e sedentos de inovações e reconstruções.

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